sábado, 14 de junho de 2014

Jornadas de Junho: um ano depois


Há um ano, tomava conta das ruas aquilo que seria posteriormente chamado de Jornadas de Junho ou Revolta dos Vinte Centavos. As manifestações que eclodiram e balançaram o país foram marcadas pela dimensão, pela violência policial e pela desqualificação por parte da imprensa, ao mesmo tempo em pareceram, para muitos, a tomada de consciência pelo povo e o início derrocada do sistema atual. O ápice disso aconteceu entre os dias 17, quando a movimentação ocupou o Congresso Nacional, em Brasília, e 20 e poucos de junho, quando foram contabilizadas mais de 1 milhão de pessoas nas ruas.

Mal ou bem, entretanto, o fenômeno começou a se dissipar. O MPL (Movimento Passe Livre) de São Paulo, organizador dos primeiros protestos, abandonou o movimento, argumentando que seu objetivo era barrar o aumento das passagens e uma vez que isso havia sido feito, sua bandeira havia sido cumprida. Enquanto isso, mesmo sob a contínua repressão da polícia militar, partidos políticos, outros movimentos sociais, estudantes e jovens trabalhadores continuaram nas ruas. Ao mesmo tempo, subitamente, estranhas ondas de violência começaram a aparecer, viesse da polícia ou de alguns casos de confronto e vandalismo, em especial a prática black bloc, enfatizada de maneira especial na mídia. Tais fatos desmobilizaram muita gente, desanimada com a desmoralização dos atos. Aos poucos, então, os movimentos foram se esvaindo e cessaram os protestos em massa, restando um ou outro menor aqui e ali. Voltaram à tona frases de efeito como “brasileiro de memória curta” e slogan “O Gigante Acordou” foi esquecido. Um possível temor inicial por parte do governo relaxou e as coisas, aparentemente, voltaram ao normal.

Mas a pergunta que ficou é: será mesmo que o tal gigante voltou a dormir?

Creio que é errado pensar que a situação foi de apaziguamento. Como pensar em calmaria quando há constantes greves acontecendo por todo o país? Polícias, funcionários do transporte coletivo, algumas universidades, técnicos administrativos das UFs e diversas outras categorias, sempre lembrando, é claro, dos garis, que no Rio de Janeiro realizaram uma vitoriosa greve histórica em março deste ano, dando um excelente exemplo para a classe trabalhadora como um todo, todos utilizando o momento do pré-Copa para fazer suas reivindicações.

Além das greves, vemos os protestos relativos à Copa do Mundo, que não cessaram desde junho passado, assim como os movimentos sociais, como o próprio MPL e mais recentemente o MTST, que nunca deixaram de estar presentes. Unidos a tudo isso, temos as eleições em meio a uma crise política generalizada gerada pela descrença nas instituições e por um modelo político e econômico que, para muitos, está obsoleto. A quantidade de pessoas, mesmo entre as que não ligam muito para política, que não sabe em quem votar ou pretende votar em branco/nulo é a maior da história, segundo uma pesquisa do Datafolha, evidenciando o desgaste do modelo de gestão vigente.

Não podemos deixar de incluir também o papel da mídia em tudo isso. Muitos protestos que contavam de milhares de pessoas só eram mostrados quando 200 pessoas ateavam fogo em latas de lixo ou atacavam agências bancárias. A maioria das manifestações subsequentes – incluindo as mais recentes, como a greve dos metroviários em São Paulo – foi distorcida pela imprensa, colocando a população contra os revoltosos. Esta situação, sempre frequente no Brasil, vem se intensificando muito de um ano para cá e mostra o poder que as manifestações de massa têm – se não tivessem, não precisariam ser tão reprimidas. A marginalização daqueles que lutam por uma melhor sociedade é um dos principais poderes da comunicação tradicional, que, além de tudo, incita a violência e o ódio, seja contra os manifestantes ao aplaudir abusos policiais, seja contra o governo, impulsionando ataques pessoais e até mesmo ameaças de morte à Presidenta da República, como vimos no jogo de abertura da Copa do Mundo e podemos ver frequentemente em páginas como o TV Revolta. Juntamente a isso, são aplaudidos os setores da manifestação que pregam este ódio e esta violência, como se apenas estes insatisfeitos fossem legítimos e dignos de protestar.

Enquanto isso, há a questão black bloc. Em primeira instância, sabemos que qualquer tipo de depredação é condenado pela opinião pública, o que prejudica a credibilidade do movimento, além de que há certos patrimônios que a população necessita, como bancos. Para o banco, o reparo de uma porta de vidro é quase imperceptível em seu orçamento, já para um proprietário de uma franquia de fast food, por exemplo, pode ser bem mais complicado. Ao mesmo tempo, há outras pessoas que precisam do serviço do banco e não poderão utilizá-lo por causa de uma agência destruída. Por outro lado, nenhuma revolta popular teve êxito sem que houvesse algum tipo de confronto. As revoluções sempre contaram com armas (não necessariamente de fogo) ou atos que afetaram drasticamente a população (como é o caso das grandes greves). Mesmo assim, condena-se mais uma pessoa que quebra uma janela a um policial que espanca um manifestante desarmado, deixando os danos materiais à frente dos direitos humanos. E ainda há outro ponto a ser considerado: quem são os black blocs que acreditam na causa e quem são apenas “baderneiros”? E será que não há gente infiltrada, a mando das empresas, da mídia? Se uma Folha de S. Paulo fornecia seus carros para o sequestro de opositores políticos do regime militar, por que não enviaria gente para causar conflitos nos protestos?

Portanto, é difícil julgar só pelo moralismo qual a relevância, o perigo ou a necessidade da ação dos black blocs. É um paradoxo complexo que precisa de discussões extensivas, evitando partir diretamente para o campo da resposta violenta. Infelizmente, porém, a colaboração da mídia para a destruição da imagem de qualquer tipo de movimento insurgente dificulta muito qualquer tipo de diálogo, especialmente em tempos de crise.

A partir de agora, a tendência das coisas parece ser piorar. Os primeiros protestos contra a Copa do Mundo sofreram enorme retaliação. E se houverem próximos, também serão. E o slogan #NãoVaiTerCopa não será compreendido pela grande maioria, que acha que se a reclamação é com os gastos da Copa, os protestos estão atrasados. Mas há uma questão de visibilidade. O mundo inteiro está vendo, e se queremos expor os problemas do Brasil, a hora é agora. Como isso irá contribuir para a luta, não sei. Não sei nem se adiantará alguma coisa, mas acho que a tentativa é válida. O problema principal será a atuação das forças internas – governos, forças armadas e oligarcas – que farão de tudo para impedir que a mobilização aconteça.


Por fim, se repetiremos as Jornadas de Junho, só saberemos na hora. Um megaevento como a Copa do Mundo é uma oportunidade única de ganhar os olhos do mundo inteiro, e se isso contribuir com alguma coisa, por mais improvável que seja, todos sabemos que as lutas nunca cessam e que se há um momento em que elas não podem ser silenciadas, esse momento é agora. Vai ter Copa sim, e é nas ruas que ela será a Copa das Copas.