segunda-feira, 31 de março de 2014

1964-2014: Os 50 Anos do Golpe Militar

Ao que tudo indica, o Brasil vem, nos últimos meses, desenvolvendo uma crise política que está trazendo à tona discussões intensas sobre direita e esquerda, os governos de Lula e Dilma, Copa do Mundo e eleições. Nisso envolvem-se também conspirações de golpes comunistas e denúncias de corrupção em um governo supostamente de esquerda, que têm como consequência pedidos por uma nova intervenção militar.

Qualquer semelhança com o que ocorreu há exatos 50 anos não é mera coincidência.

Era madrugada de 31 de março de 1964 quando os militares tomaram seu caminho rumo ao palácio do governo para depor o então Presidente, João Goulart. Vítima de falácias constantes, seja por suas reformas de base (que por sinal tinham amplo apoio popular) ou por sua opção de evitar uma guerra civil, Jango exilou-se voluntariamente no Uruguai e nunca mais pôde voltar ao Brasil.

A ditadura instalada, como marco, no dia 1º de abril de 1964, e consolidada no dia 9, com a posse como Presidente do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, foi um dos maiores atrasos da sociedade brasileira. Apesar dos investimentos maciços em infraestrutura e industrialização, gerando um crescimento entre 7% e 13% ao ano, a economia brasileira era totalmente dependente do exterior e extremamente arriscada, sofrendo com impactos como as duas crises do petróleo dos anos 70 e uma inflação altíssima.

O que vemos hoje não é muito diferente. Há setores das classes médias xingando os governos petistas constantemente, utilizando-se como argumento casos como o mensalão e recentemente o da Petrobras, as relações com Cuba ou de que "vivemos em uma ditadura comunista". Meu ponto não é uma defesa de Lula ou de Dilma; acredito que aquilo que se passa nos bastidores do poder público deve sim ser investigado e exposto ao público, mas também creio que muitos destes argumentos anti-governo (como a suposta inclinação comunista do PT ou os investimentos em Cuba, tomados como alguns como “doações”) não se diferenciam muito da conspiração criada entorno do Governo Jango, e há muitos cidadãos que mantêm a mesma mentalidade dos anos 60 e clamam por um novo governo militar. Já teve até gente pedindo a volta da Arena como partido - com a justificativa de que "não havia partido de direita no Brasil", e uma pré-candidatura de um general à Presidência da República.

É verdade que uma candidatura de um militar não fere a democracia - nem mesmo sua eleição, desde que por vias democráticas. A questão é: há pessoas pedindo por uma intervenção militar. O nome já sugere certa invasão de espaço. Até porque quem defende tal ato costuma também defender o antigo regime militar.

Aí paramos para pensar: queremos mesmo repetir o que aconteceu há 50 anos? Queremos mesmo repetir os 21 anos de censura, a repressão, o "não" à democracia?

Hoje a minha defesa não é simplesmente a de repudiar um novo Estado militar. Meu principal objetivo é fazer com que as pessoas relembrem os acontecimentos datados entre 1964 e 1985, reflitam sobre o que eles representaram para a sociedade brasileira.

O que aconteceu em 1964 foi um Golpe de Estado que destituiu um presidente popular e toda a esperança de uma nação. Não se pode chamar de revolução algo que foi dado pelas mãos de uma classe da sociedade apenas, e que, diga-se de passagem, não trouxe reais benefícios à população como um todo. Afinal, as gerações alienadas ou assassinadas, uma dívida externa cavalar, uma dependência constante de capital estrangeiro e uma educação deficitária não são legados do que se pode chamar de bom governo.

Portanto, neste quinquagésimo aniversário do Golpe Militar que obscureceu a democracia brasileira por vinte e um anos, eu gostaria de lembrar a todos que 2014 não é só ano de eleições ou de Copa: é também um ano para darmos valor à liberdade de expressão, ao voto universal, à democracia como um todo, e sempre lembrarmos que ainda há muito a ser feito - porém sem repetir o erro que foi cometido há 50 anos.
  

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quarta-feira, 19 de março de 2014

50 anos depois, a Marcha da Família se repete

Está marcada para acontecer, no próximo dia 22, um evento chamado Marcha da Família (com Deus Pela Liberdade). Trata-se da segunda edição de uma manifestação homônima ocorrida há exatos 50 anos, no dia 19 de março de 1964.

Talvez a única coisa que diferencie a Marcha da Família de 2014 da de 1964 é seu volume de apoiadores. O resto é tudo igual. A motivação, as influências, os participantes, tudo isso se assemelha ao erro que foi a série de manifestações que serviram de premissa para o Golpe de 1964. Tudo aquilo que se pregava, a proteção da estrutura da família e a negação do comunismo, não passou de um golpe de mídia para apoiar a tomada do poder pelos militares e de certa forma, leia-se de passagem, pelos Estados Unidos.

Influenciada pela mídia dominante, a tal Marcha contou com uma quantidade realmente gigantesca de pessoas – lê-se, nos jornais da época, cerca de 500 mil pessoas, enquanto outras fontes, mais atualizadas dizem 300 mil, ou até mesmo 200 mil. Seja lá qual desses números é o verídico, sabe-se muito bem que o número foi bastante significativo e isso era exatamente a faísca que os militares precisavam. O apoio da mídia foi fundamental para sustentar o que foi chamado, falaciosamente, de “Revolução de 1964” e o regime que se instauraria posteriormente. Foi durante a ditadura, inclusive, que Roberto Marinho ergueu as Organizações Globo, consolidando-se basicamente como o que eu ousaria chamar de praticamente o dono do Brasil. E assim continua, mesmo depois de morto.

E é dentro deste contexto que cresce a Marcha da Família de 2014, pelos mesmos motivos – uma mídia conservadora (apesar de estar mais sujeita a questionamentos, graças à Internet), a oposição (que não necessariamente apoia um golpe, porém alguns de seus eleitores sim) e o sentimento anticomunista irracional que prevalece desde a Revolução Cubana em 1959. Como eu expliquei no post anterior, sobre o Comício da Central do Brasil, tanto os governos populistas das décadas de 50 e 60 quanto o atual governo nada têm de comunistas, portanto não há justificativa para um golpe, uma intervenção militar ou sequer uma marcha pedindo tais ações.

As justificativas dadas pelos ativistas da Marcha da Família são, principalmente, a corrupção, a suposta ditadura comunista e a defesa da família que, segundo eles, seria a instituição base da boa sociedade. Porém, ao meu ver, falta a estas pessoas uma concepção de que quando se trata do mundo real, não se trata de bem ou mal, mas sim de saber lidar com as contradições do ser humano. O que eles veem como família? O que é a corrupção? E o que seria uma boa sociedade? E as liberdades individuais, onde ficam?

Pergunto-me, então, a que ponto chegamos. O ponto de haver uma segunda Marcha da Família com Deus Pela Liberdade pedindo por uma intervenção militar? Em um governo democrático (ainda que não o suficiente)! Não há nada de errado em questionar o governo, porém não basta questionar o governo: deve-se questionar também a oposição. Será que há mesmo um sentimento de melhoria para o país, ou seria tudo isso intriga política? E será que é uma intervenção militar que vai resolver as coisas, ou será que é uma reforma política unida reflexão sobre a nossa cultura?


Por isso, neste dia, recomendo parem e analisem. Leiam as publicações da oposição, mas também leiam as publicações governistas. E também aquelas que fazem oposição ao governo e também à oposição do governo. Estudem as ideias dos diversos setores. Não se limitem à opinião dos outros, leiam os textos originais, nem que seja uma única vez na vida, pois só assim é possível comparar ideias e ter credibilidade na crítica delas. Não queremos cometer o mesmo erro arcaico de 50 anos atrás. Não vamos ressuscitar ideias mortas e enterradas. O passado serve para conhecermos os erros, o presente para criar formas de evitá-los para que não se repitam no futuro.

Links falando da Marcha:



quinta-feira, 13 de março de 2014

Os 50 anos do Comício da Central do Brasil

Considerado por muitos como o “início do fim” para o governo de João Goulart e para as democracias populistas, o Comício da Central do Brasil, ocorrido em 13 de março de 1964, foi um dos grandes marcos da promoção das Reformas de Base.





 A imagem de Jango sempre fora associada ao comunismo, devido a sua atuação como Ministro do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Quando assumiu a presidência, seu caráter social e amplo apoio popular preocuparam as classes dominantes. O ápice disso se revelou justamente no Comício da Central, que contou com cerca de 150 mil pessoas, entre servidores públicos, sindicalistas, estudantes, militares e outros setores da população. Além disso, o presidente ainda assinou dois decretos, ainda que, àquela altura, eles fossem apenas simbólicos: a desapropriação de propriedades rurais subutilizadas e de refinarias que não pertencessem à Petrobrás.

Resumindo as reformas de base, tem-se:
·         Agrária
·         Administrativas
·         Educacionais (mais vagas nas universidades)
·         Bancárias
·         Fiscais (Lei de Remessas de Lucros)
·         Habitacionais
·         Voto para analfabetos e militares de baixa patente

A aprovação às medidas de Jango era clara – assim como o apoio de diversos setores de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro, que demandava sua própria legalização. Este apoio atemorizava os setores conservadores dominantes, que já receavam uma ascensão socialista desde os tempos de Getúlio Vargas. Segundo relatos do General Antonio Carlos Muricy, em documentário sobre Jango, os militares, com o que ele chamou de “subversão levada pelo governo [que] estava em crescimento dia-a-dia”, se mostravam determinados a enfrentar qualquer coisa para derrubar o governo populista, que eles julgavam nocivo ao país.

Assim, o Comício da Central do Brasil foi premissa para a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, seis dias depois.

Como podemos relacionar isso com o cenário político atual?

É evidente para todos os brasileiros que há uma crise política acontecendo no país. E ela é muito similar à que ocorreu no período que precedeu o golpe de 1964: os setores conservadores, como os militares e as elites, acreditavam que o governo planejava um golpe comunista, sendo que o governo janguista, de comunista, nada tinha. As reformas de base faziam parte de um conjunto de medidas democráticas, provenientes de um ideologia de esquerda sim, porém dizer que elas eram uma ameaça para a ordem consiste apenas em interesses políticos.

O mesmo acontece com o atual governo – que é ainda menos “comunista” do que o de Jango – com a diferença que hoje a disseminação da informação através da internet favorece a divulgação de ideias de todos os lados. A partir de junho de 2013 até hoje, vê-se uma exacerbação dos insatisfeitos com o atual governo, ainda que de acordo com as recentes pesquisas eleitorais, estes sejam minoria.

O problema é que uma parcela, dentre estes insatisfeitos, se destaca por ser radical e ultranacionalista. Ao invés de sugerir uma reforma democrática, respeitando a constituição e os direitos humanos, este grupo prega a volta da “caça aos comunistas”, incitado por alguns veículos de mídia e por extremistas populares. Muitos deles anseiam por uma intervenção militar.

Porém, onde estão os comunistas do governo atual?

Assim como Jango, ao atual governo tem propostas de melhorias sociais. Todavia, também como no tempo de Jango, quem está na maioria dos postos do poder ainda são as elites: os empreiteiros, os latifundiários e outros grandes empresários. Podem não aparecer publicamente, mas detém o poder decisório.

As classes mais baixas, diferentemente do que alguns extremistas pensam, não vivem em regime socialista. Muito pelo contrário - vivem no mesmo capitalismo em que os ricos vivem. No entanto, estão na outra extremidade: são aqueles que fornecem a mão-de-obra, a preços baixos, para o acúmulo de capital dos empresários. E têm que pagar os mesmos impostos, pagar os mesmos preços no supermercado, trabalham tanto quanto ou infinitas vezes mais que os peixes grandes. Ou seja, em nossa sociedade, não é possível viver sem capital, e sem trabalho não há capital. Em uma sociedade socialista, não deveriam todos receber um mínimo subsídio? Não haveria educação e saúde de qualidade para todos? Não há nada disso Brasil.

Então pergunto novamente: onde estão os comunistas do governo atual?

Fecho esta reflexão afirmando: vivemos em um regime extremamente capitalista, portanto, militares e extremistas simpatizantes, não há nada a temer. Não há comunistas do governo. Talvez haja uma política de ascensão social sim, que visa tirar as empregadas da miséria, de modo que as madames sejam obrigadas a lavarem suas próprias calcinhas*. Mas esta política é muito lenta e sua eficácia ainda é duvidosa, já que ainda vivemos em uma oligarquia onde a desigualdade é a prova de que a meritocracia capitalista não passa de uma falácia.


*Quando além de tudo, o conservadorismo das elites subentende o patriarcado, de modo que a mulher ficaria responsável pela casa. A frase faz parte da crítica ao machismo também.

sábado, 1 de março de 2014

O Mês de Jango

Inicio hoje uma série de posts que relembram os antecedentes do Golpe de 1964, começando pelo dia de hoje, em que seria celebrado o 95º aniversário de João Goulart.



Jango nasceu em 1919 em São Borja, no Rio Grande do Sul, e morreu exilado na Argentina, em 1976. Oficialmente vítima de um ataque cardíaco, o ex-presidente foi figura do fim da era das democracias populistas no Brasil e, após o golpe que o destituiu, nunca mais pôde voltar a seu país, sendo o único presidente brasileiro a morrer fora do território nacional.

Em 2013, João Goulart teve seu corpo exumado, com suspeitas de que tenha sido envenenado. Ele, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, organizadores de um esquema de oposição à ditadura, chamado Frente Ampla, morreram dentro de um intervalo de menos de um ano – primeiro JK, em agosto de 1976, depois Jango, em dezembro, e por último, Lacerda, em maio de 1977, o que leva a crer que todos foram vítimas da Operação Condor (esquema de repressão à oposição promovido pelas ditaduras sul-americanas).


Muitos marcos da vida de João Goulart ocorreram no mês de março, de modo que este se tornou o Mês de Jango : seu nascimento, o Comício da Central do Brasil, considerado por muitos o início do fim; A Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, manifestação civil a favor de uma intervenção de direita e, por fim, o golpe que o tirou do poder e de sua pátria.