segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O Coração Valente vence o Retrocesso #Eleições2014

Faltavam poucos minutos para as oito horas da noite de ontem, domingo, 26 de outubro de 2014, quando cerca de 93% dos votos para a Presidência da República haviam sido apurados. Cada um dos lados adversários, roendo as unhas e com os corações acelerados, estava se preparando para um infarto coletivo.

Quando os primeiros resultados foram divulgados e Dilma Rousseff aparecia com 50,99% e Aécio Neves com 49,01%, o Brasil provavelmente parou. A disputa estava apertadíssima. Todavia, ao final, o resultado era certo: Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos válidos, dando continuidade ao Partido dos Trabalhadores na Presidência.

Para mim, uma vitória dolorida, após um caminho longo e bastante tortuoso. Ainda que os governos petistas estejam longe de serem ideais, foram eles os grandes responsáveis pelo imensurável aumento na qualidade de vida de milhões de famílias brasileiras, fosse através do Bolsa Família, dos programas voltados para a educação ou do simples aumento e reajuste do salário mínimo acima da inflação. É por isso que ontem eu votei sem remorso. Diferentemente de alguns setores da esquerda, não acredito que o PT seja igual ao PSDB, mesmo que ambos compartilhem defeitos bastante graves. Porque se fossem, o País provavelmente não seria tão reconhecido internacionalmente por sua luta contra a pobreza, suas boas relações com potências dos mais diversos polos e pela capacidade de enfrentar uma crise que abalou até mesmo as nações mais poderosas do planeta.

Ainda assim, sabemos que não será fácil para Dilma e o PT governarem. Afinal, o capital continua lá, aliado à grande mídia, preparando todos os tipos de ataques. O caso da Petrobras provavelmente será explorado até os últimos limites, o mensalão pode voltar à tona, além de várias outras denúncias, algumas verídicas e outras caluniosas. Também estará lá o PMDB, comandando o Congresso que, por sinal, está bastante conservador – ao que parece, o mais conservador desde 1964, ano do Golpe Civil-Militar. Em outras palavras, é bom que o PT se cuide se quiser se manter no poder, ou mesmo evitar uma ascensão da direita, que já vinha se fortalecendo há bastante tempo.

Portanto, agora é momento de cobrança. Muitos comentários nas redes sociais criticavam a população por ter ido às ruas em junho de 2013, mas reelegido Dilma agora. Para mim, mudança não é necessariamente transição de poder, não com a polarização que temos no Brasil. Se queremos mudança, mais do que trocar de partido no governo, temos que cobrar o que foi prometido e também pressionar o Legislativo, que em geral tem um peso muito maior na maioria das decisões de uma nação que o Executivo.

Cobrar do PT agora é essencial. Há muito a ser feito, muito que não foi feito e muito que foi feito “para o mal”. Temos que sempre lembrar que foi no governo Dilma que foi vetado o kit anti-homofobia. Que foi no governo Dilma que ocorreu uma das mais longas greves universitárias federais da História. Que foi no governo Dilma que a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária ficaram na gaveta. Mas também foi no governo Dilma que saímos do Mapa da Fome, que conseguimos o Marco Civil da Internet, que foi aberta a Comissão Nacional da Verdade. E é graças a todas estas conquistas que eu ainda acredito que é possível mudar isso e tenho esperanças de que vamos conseguir, sempre com muita luta.

No fim das contas, o povo brasileiro continua a sair ganhando. Aécio Neves perdeu nas urnas, mas a maior derrotada destas eleições é, sem dúvidas, a imprensa tradicional. Obrigada a transmitir o discurso de vitória de Dilma, a Rede Globo teve que ver a militância do PT gritando “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!” ao vivo para todo o Brasil, em uma cena memorável e absolutamente impagável. E é isso que esperamos ver cada vez mais: um país que não se deixa mais levar pelo que o poder de mídia diz que somos, mas sim pelo que sabemos que somos.

Que venham mais quatro anos! #DilmaNovamente

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Links válidos de dar uma olhada:


MG e Rio ajudam a reeleger Dilma e embolam discurso (ressentido) sobre Sul x Norte, por Matheus Pichonelli

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Quem são os filhos do futuro?

Depois da vergonhosa performance de Levy Fidélix no penúltimo debate presidencial, repercutida até mesmo na imprensa internacional, viu-se muita revolta, mas também viu-se muito apoio. Com o mesmo discurso com que defenderam Rachel Sheherazade sobre o caso “adote um bandido”, muitas pessoas aplaudiram a atitude do candidato do PRTB e disseram que ele “tinha coragem” de se expressar daquela maneira. Lembrou-me muito do caso de Sheherazade principalmente porque não me parece ser um ato de coragem, mas sim apenas a repetição de um jargão que todo mundo já diz nas ruas e que aparece sim com muita frequência na mídia, só que de maneira mais indireta.

De qualquer forma, uma coisa que me chamou a atenção nesta situação hedionda foi Levy falar em “instruir seu filho e instruir seu neto”, ou seja, colocar valores na cabeça de seus descendentes que preguem a intolerância às minorias. Acabou retornando algumas memórias que vi em várias famílias com que convivi ao longo da minha vida, e me fez pensar no quão grave é a questão da educação familiar no Brasil. Portanto, gostaria de tratar um pouco desta questão neste post e quem sabe em outros, afinal, este é um tema delicado que exige muito mais do que uma única discussão.

As pessoas gostam de dizer que as crianças são a esperança de um futuro melhor. É uma ideia bonita, mas quando eu vejo um pai ou uma mãe dizer para seu filho pequeno que “matar é feio, matar é mau” ao mesmo tempo em que recita frases como “bandido bom é bandido morto” ou “tinha que linchar todos esses vagabundos”, me pergunto se realmente poderemos contar com a juventude do futuro. Crianças veem, ouvem e aprendem frases como estas sem saber distinguir seus significados, acabando por repeti-las e assimilá-las. O mesmo acontece quando elas ouvem coisas como “aquele seu tio é um viadinho, namora meninos”. Junte às piadas e ao preconceito disfarçado de tolerância (“tenho até amigo gay” ou “não sou contra, mas quero longe de mim”) e a criança acabará aprendendo que “gay” e “viado” são coisas ruins. E assim por diante com outras minorias – negros (“tinha que ser preto!”, “isso aí é serviço de preto mesmo!”), indígenas (“índio é tudo vagabundo, não gosta de trabalhar”), mulheres (“mulher no volante, perigo constante”, “mulher pra comer e mulher pra casar”) e religiões não cristãs (“terreiro é coisa do capeta!”).

Vale lembrar que a maioria destas situações eu vi com meus próprios olhos ou ouvi relatos de pessoas próximas. Pessoas que se dizem esclarecidas, pessoas que dizem não ter preconceitos, mas que ao mesmo tempo dizem que vivemos uma ditadura de minorias, que não se pode falar mais nada, que os valores estão se deturpando, que as pessoas “não sabem mais o seu lugar”. São pessoas essas as que se dizem muito boas - porque doam sangue, porque doam roupas para os desabrigados pelas chuvas, porque trabalham em uma empresa que gera fundos a uma instituição filantrópica – e pensam que isso é suficiente para alcançar a justiça social. São também pessoas que dizem que você deve estudar para ser alguém na vida, que “você deve batalhar e assim vai vencer na vida”, e que fala “rolezinho na agência de emprego que é bom nada, né?”. E assim, repassam isso para seus filhos, netos, sobrinhos – a ideia de que a caridade e a meritocracia vão resolver as desigualdades, entre outros valores baseados em uma realidade essa sim deturpada. Assim, xs filhxs crescem e se não houver qualquer fator que xs incentive a questionar sua formação, elxs continuarão a disseminar preconceitos com máscara de “liberdade de expressão”.

Será que é mesmo esse o futuro que queremos? De crianças que vão ficar estagnadas na opinião dos familiares, talvez até que irão regredir em relação a gerações anteriores, ou será que queremos progresso, igualdade e liberdade para todos?

Uma coisa é certa: cada vez que eu vejo uma criança inocente, ingênua e curiosa crescer em uma família que incentiva esse tipo de comportamento reacionário, eu sinto pena. Da criança. Porque pelo futuro, sinto medo.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

À medida que o primeiro turno se aproxima, um breve resumo comentado das eleições presidenciais

Custei a tomar coragem, mas finalmente resolvi escrever sobre o grande evento político do ano. Hesitei muito, pela minha imaturidade política, mas neste ano há peculiaridades que eu não vi em minhas outras experiências de eleições, que por sinal não são muitas. De qualquer forma, é a primeira sucessão presidencial em que eu votarei, mas não a primeira em que eu voto e muito menos a primeira que eu acompanho, portanto creio que seja um momento ótimo para estudar e debater algumas coisas.

Desde o ano passado até pouquíssimo tempo atrás, a disputa entre Dilma Rousseff e Aécio Neves foi o centro das atenções, evidenciando a “tradicional” polarização PT-PSDB. Quando as primeiras pesquisas foram lançadas, colocava-se que Dilma tinha chances de vencer no primeiro turno, mesmo após as Jornadas de Junho, que causaram uma queda significativa na popularidade da Presidenta. Esta situação foi se alterando ao longo dos meses, com Dilma oscilando bastante e Aécio subindo aos pouquinhos, enquanto Eduardo Campos, candidato da chamada “terceira via” pelo PSB e espécie de “sombra” de Marina Silva, se mantinha estável e os candidatos “nanicos” eram ignorados pela mídia tradicional.

Antes de passar adiante, devo lembrar que 2014 não é só ano de eleições. Foi também ano de Copa do Mundo e, por mais que isso não tenha um significado tão potente do pleito (se é que tem) quanto tem para mim, os 50 anos do Golpe Civil-Militar de 1964.

As poucas pessoas que acompanham este blog sabem que eu comparei muito os anos de 2014 e 1964, em especial no que diz respeito aos absurdos, como a segunda edição da Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, causada por um sentimento anticomunista irracional que não faz o mínimo sentido existir na nossa época. Acho que esse tipo de atitude diz um pouco sobre os diferentes tipos de pensamento que a população possui, e neste caso em específico, me parece bastante assustador e representa um retrocesso lastimável. Seja como for, isso se uniu à Copa do Mundo no Brasil, que foi marcada, principalmente pela grande mídia, pelos superfaturamentos. Como o PT é considerado por determinada parcela da população como O antro de corrupção, o megaevento foi um prato cheio para estupefações, ignorando alguns problemas bem mais sérios causados por ele, como o despejo de famílias e a violência policial.

Dentro deste contexto todo, as intenções de voto em Dilma diminuíram e se estabilizaram, enquanto parecia que as tendências eram para que Aécio subisse. Confesso que foi um momento desagradável – só de imaginar a possibilidade do PSDB voltando ao poder, fiquei um tanto temerosa. Não que eu tenha vivido de fato o governo FHC – afinal, minha primeira “lembrança política” é a eleição de Lula em 2002, mas sendo filha de professores universitários do sistema federal e vivendo no Paraná, um Estado governado pelo PSDB, conheço o suficiente da história e da ideologia do partido para querer ele longe do Planalto. O que ninguém esperava é que antes mesmo do início dos programas eleitorais começarem a interromper as novelas e os telejornais, o terceiro lugar da disputa, Eduardo Campos, morreria em um acidente de avião.

Que reviravolta! Logo Marina Silva foi declarada candidata oficial do PSB e apareceu, logo na primeira pesquisa realizada com seu nome, no segundo lugar no primeiro turno e tecnicamente empatada com Dilma Rousseff no segundo. Aécio Neves, por sua vez, começou a cair naquele momento e não parou mais. O PSDB caiu no ramo da tal da terceira via e, pela primeira vez temos duas mulheres como favoritas na disputa pela Presidência da República.

Cenário, candidatos e – sim - alternativas
Eu diria, de uma maneira simples de analisar o cenário, que as consecutivas ascensões de Aécio nas pesquisas se deviam não a simpatia pelo PDSB, mas sim a uma forte rejeição ao PT. Dado isso, com a substituição de Campos por Marina, o eleitorado, que já era apreciador da ex-senadora desde 2010, levou seus votos a ela em busca de uma alternativa. Só que não é só a Marina que é uma alternativa, se é que ela realmente é uma. Há diversos partidos menores que são ignorados. É claro que há alguns candidatos realmente bizarros, como o ultradireitista [Pastor] Everaldo Pereira e o clássico Levy Fidelix. Também não deixa de ser (ou ter sido) bizarro o candidato do Partido Verde, Eduardo Jorge, que agiu de maneira totalmente fora de qualquer padrão durante os debates e tomou algumas posições tradicionalmente defendidas pela esquerda (à qual o PV não faz parte), como a descriminalização do aborto e a legalização das drogas. A candidatura mais à esquerda nos debates é a de Luciana Genro, do PSOL, que além das bandeiras do aborto de das drogas colocadas pelo candidato do PV, defende reforma tributária (taxação de grandes fortunas) e tem uma pauta muito importante que são os direitos dxs LGBTs (ou questões de gênero, para podermos tratar de maneira mais ampla), um dos (vários) assuntos que levaram a polêmicas envolvendo o plano de governo de Marina Silva.

Além dos candidatos mais presentes na mídia, há mais quatro candidatos menores, ignorados pelos debates e praticamente insignificantes nas pesquisas: Eymael, do PSDC; José Maria, do PSTU; Rui Costa Pimenta do PCO e Mauro Iasi, do PCB. Eymael tem um discurso clássico dos ditos “cristãos”, não se diferenciando muito, creio eu, de Everaldo Pereira. Apesar de sua pouca influência nas pesquisas e participação em um único debate, é bastante conhecido graças a seu lendário jingle. Já os outros três, provavelmente os presidenciáveis mais à esquerda de todos (inclusive mais que o PSOL), mal são lembrados, mesmo o veterano José Maria, que foi do PT, participando inclusive de sua criação. Carentes de recursos para as campanhas, o alcance dos partidos destes candidatos é muito curto e se comparado com os dos três melhor colocados, acaba se tornando insignificante. Lamentavelmente. Suas propostas não passam longe das necessidades da população, mas ainda assim a rejeição aos nomes socialismo e comunismo nas bases destes partidos se sobressai a ideias realmente interessantes e necessárias.

Está chegando

Com o pleito se aproximando, é bem provável que a disputa acabe entre Dilma e Marina. Acho difícil que Aécio suba de repente. Se nem mesmo em Minas Gerais, onde ele foi governador e vem focando sua campanha, o tucano está conseguindo manter o apoio, quem dera no resto do país, excetuando São Paulo e algumas regiões menores mais conservadoras. Agora, qual das duas candidatas ao segundo turno será vitoriosa, aí é outra história. Enquanto boa parte das pesquisas recentes indicou empate técnico, alterando um pouco as chances de Marina Silva, outras apontaram um enorme otimismo para o PT, sugerindo até mesmo uma nova possibilidade de Dilma vencer no primeiro turno. Não creio, de forma alguma, que isso venha a acontecer, mas me parece evidente que a petista ainda possui chances grandes de voltar ao Planalto. E entre Dilma e Marina, fico com Dilma. Ela não tem meu voto no primeiro turno, pois entre os onze presidenciáveis, para mim ela não é a melhor opção. Já no segundo turno, não confio em Marina – Margaret Thatcher para alguns, Lula para outros, não só sua credibilidade está manchada quanto seus posicionamentos se mostram cada vez mais similares aos do PSDB. Portanto, para mim é Thatcher. Respeito sua trajetória, assim como respeito a de Dilma. Todavia, para mim nenhuma das duas, no momento, representa um caminho efetivo de mudança.

sábado, 14 de junho de 2014

Jornadas de Junho: um ano depois


Há um ano, tomava conta das ruas aquilo que seria posteriormente chamado de Jornadas de Junho ou Revolta dos Vinte Centavos. As manifestações que eclodiram e balançaram o país foram marcadas pela dimensão, pela violência policial e pela desqualificação por parte da imprensa, ao mesmo tempo em pareceram, para muitos, a tomada de consciência pelo povo e o início derrocada do sistema atual. O ápice disso aconteceu entre os dias 17, quando a movimentação ocupou o Congresso Nacional, em Brasília, e 20 e poucos de junho, quando foram contabilizadas mais de 1 milhão de pessoas nas ruas.

Mal ou bem, entretanto, o fenômeno começou a se dissipar. O MPL (Movimento Passe Livre) de São Paulo, organizador dos primeiros protestos, abandonou o movimento, argumentando que seu objetivo era barrar o aumento das passagens e uma vez que isso havia sido feito, sua bandeira havia sido cumprida. Enquanto isso, mesmo sob a contínua repressão da polícia militar, partidos políticos, outros movimentos sociais, estudantes e jovens trabalhadores continuaram nas ruas. Ao mesmo tempo, subitamente, estranhas ondas de violência começaram a aparecer, viesse da polícia ou de alguns casos de confronto e vandalismo, em especial a prática black bloc, enfatizada de maneira especial na mídia. Tais fatos desmobilizaram muita gente, desanimada com a desmoralização dos atos. Aos poucos, então, os movimentos foram se esvaindo e cessaram os protestos em massa, restando um ou outro menor aqui e ali. Voltaram à tona frases de efeito como “brasileiro de memória curta” e slogan “O Gigante Acordou” foi esquecido. Um possível temor inicial por parte do governo relaxou e as coisas, aparentemente, voltaram ao normal.

Mas a pergunta que ficou é: será mesmo que o tal gigante voltou a dormir?

Creio que é errado pensar que a situação foi de apaziguamento. Como pensar em calmaria quando há constantes greves acontecendo por todo o país? Polícias, funcionários do transporte coletivo, algumas universidades, técnicos administrativos das UFs e diversas outras categorias, sempre lembrando, é claro, dos garis, que no Rio de Janeiro realizaram uma vitoriosa greve histórica em março deste ano, dando um excelente exemplo para a classe trabalhadora como um todo, todos utilizando o momento do pré-Copa para fazer suas reivindicações.

Além das greves, vemos os protestos relativos à Copa do Mundo, que não cessaram desde junho passado, assim como os movimentos sociais, como o próprio MPL e mais recentemente o MTST, que nunca deixaram de estar presentes. Unidos a tudo isso, temos as eleições em meio a uma crise política generalizada gerada pela descrença nas instituições e por um modelo político e econômico que, para muitos, está obsoleto. A quantidade de pessoas, mesmo entre as que não ligam muito para política, que não sabe em quem votar ou pretende votar em branco/nulo é a maior da história, segundo uma pesquisa do Datafolha, evidenciando o desgaste do modelo de gestão vigente.

Não podemos deixar de incluir também o papel da mídia em tudo isso. Muitos protestos que contavam de milhares de pessoas só eram mostrados quando 200 pessoas ateavam fogo em latas de lixo ou atacavam agências bancárias. A maioria das manifestações subsequentes – incluindo as mais recentes, como a greve dos metroviários em São Paulo – foi distorcida pela imprensa, colocando a população contra os revoltosos. Esta situação, sempre frequente no Brasil, vem se intensificando muito de um ano para cá e mostra o poder que as manifestações de massa têm – se não tivessem, não precisariam ser tão reprimidas. A marginalização daqueles que lutam por uma melhor sociedade é um dos principais poderes da comunicação tradicional, que, além de tudo, incita a violência e o ódio, seja contra os manifestantes ao aplaudir abusos policiais, seja contra o governo, impulsionando ataques pessoais e até mesmo ameaças de morte à Presidenta da República, como vimos no jogo de abertura da Copa do Mundo e podemos ver frequentemente em páginas como o TV Revolta. Juntamente a isso, são aplaudidos os setores da manifestação que pregam este ódio e esta violência, como se apenas estes insatisfeitos fossem legítimos e dignos de protestar.

Enquanto isso, há a questão black bloc. Em primeira instância, sabemos que qualquer tipo de depredação é condenado pela opinião pública, o que prejudica a credibilidade do movimento, além de que há certos patrimônios que a população necessita, como bancos. Para o banco, o reparo de uma porta de vidro é quase imperceptível em seu orçamento, já para um proprietário de uma franquia de fast food, por exemplo, pode ser bem mais complicado. Ao mesmo tempo, há outras pessoas que precisam do serviço do banco e não poderão utilizá-lo por causa de uma agência destruída. Por outro lado, nenhuma revolta popular teve êxito sem que houvesse algum tipo de confronto. As revoluções sempre contaram com armas (não necessariamente de fogo) ou atos que afetaram drasticamente a população (como é o caso das grandes greves). Mesmo assim, condena-se mais uma pessoa que quebra uma janela a um policial que espanca um manifestante desarmado, deixando os danos materiais à frente dos direitos humanos. E ainda há outro ponto a ser considerado: quem são os black blocs que acreditam na causa e quem são apenas “baderneiros”? E será que não há gente infiltrada, a mando das empresas, da mídia? Se uma Folha de S. Paulo fornecia seus carros para o sequestro de opositores políticos do regime militar, por que não enviaria gente para causar conflitos nos protestos?

Portanto, é difícil julgar só pelo moralismo qual a relevância, o perigo ou a necessidade da ação dos black blocs. É um paradoxo complexo que precisa de discussões extensivas, evitando partir diretamente para o campo da resposta violenta. Infelizmente, porém, a colaboração da mídia para a destruição da imagem de qualquer tipo de movimento insurgente dificulta muito qualquer tipo de diálogo, especialmente em tempos de crise.

A partir de agora, a tendência das coisas parece ser piorar. Os primeiros protestos contra a Copa do Mundo sofreram enorme retaliação. E se houverem próximos, também serão. E o slogan #NãoVaiTerCopa não será compreendido pela grande maioria, que acha que se a reclamação é com os gastos da Copa, os protestos estão atrasados. Mas há uma questão de visibilidade. O mundo inteiro está vendo, e se queremos expor os problemas do Brasil, a hora é agora. Como isso irá contribuir para a luta, não sei. Não sei nem se adiantará alguma coisa, mas acho que a tentativa é válida. O problema principal será a atuação das forças internas – governos, forças armadas e oligarcas – que farão de tudo para impedir que a mobilização aconteça.


Por fim, se repetiremos as Jornadas de Junho, só saberemos na hora. Um megaevento como a Copa do Mundo é uma oportunidade única de ganhar os olhos do mundo inteiro, e se isso contribuir com alguma coisa, por mais improvável que seja, todos sabemos que as lutas nunca cessam e que se há um momento em que elas não podem ser silenciadas, esse momento é agora. Vai ter Copa sim, e é nas ruas que ela será a Copa das Copas.

sábado, 24 de maio de 2014

Série "Por que estudamos certas coisas?": História

Aproveitando o contexto de reflexão histórica a respeito dos 50 anos do Golpe Civil-Militar, gostaria de finalmente retomar a série “Por que estudamos certas coisas?” abordando o tema Por que estudamos História?

Na postagem original a respeito do assunto, publiquei o seguinte texto:


História. Ah, como me irrita ouvir as pessoas dizerem: “Por que eu tenho que estudar a vida de um monte de gente que já morreu?”. SIMPLES. PORQUE ESSAS PESSOAS INFLUENCIARAM NA SOCIEDADE ATUAL E NESTE EXATO MOMENTO VOCÊ PODERIA ESTAR VIVENDO NUMA DITADURA.
Não é exagero. É como uma professora minha dizia: “Nós estudamos os erros de Hitler para não cometê-los novamente”. As vitórias do povo que vemos hoje, como a queda das ditaduras árabes e mesmo a das ditaduras sul-americanas. E outro fato importante: não podemos nos esquecer que história não é somente passado. O presente também é história. Nós aprendemos com as gerações passadas, enquanto as gerações futuras aprenderão com a nossa.”

Esta análise, ainda que rasa, tem um objetivo claro: demonstrar a importância do conhecimento histórico para o entendimento da política, da sociedade e das necessidades da população. Isto contribui muito para os movimentos de insurgência, ou mesmo para o “simples” fato de votar. E é por isso que realmente me dá arrepios ouvir alguém que diz que não importa o que aconteceu no passado, que o que importa é o presente. O passado foi o presente de alguém e nosso presente é o passado do futuro. As decisões que tomamos hoje refletem no que somos amanhã, portanto a sociedade que temos hoje no Brasil – esta que diz que temos cortar o mal pela raiz mas critica a necessidade de uma Comissão Nacional da Verdade, por exemplo – é um reflexo de uma longa história de afastamento entre povo e poder.

E a única maneira de reengajar (ou engajar pela primeira vez) a população na política é fazê-la conhecer o funcionamento do sistema – e isso só pode acontecer se houver conhecimento histórico e consequentemente sociológico.

Ao olharmos para a Primavera Árabe, mencionada no texto original, não basta dizermos que lá existem ditaduras que devem ser derrubadas. Qual o histórico destes países? Quem considera os regimes ditatoriais? Que motivos levaram às ditaduras? Que papel têm as potências estrangeiras intervindo nas revoltas? E na Ucrânia? Por que há interesse russo? E os americanos, o que estão fazendo lá? Qual o histórico destes países? E aqui no Brasil? De onde vieram nossos problemas? Será que surgiram agora? Será que já existiam e foram intensificados ou pararam no tempo? Quem influencia isso, interna e externamente? E nós, cidadãos, qual o nosso papel nisso tudo?

No nosso caso específico do Brasil, houve um afastamento absurdo entre população e poder durante a Ditadura Civil-Militar. Se a relação já era fraca, a partir do golpe as coisas ficaram ainda mais sérias: não só o voto foi vetado quanto a imprensa era censurada e as escolas, doutrinadoras a favor do regime. Foram tiradas ou diminuídas as cargas horárias de aulas que incentivavam o pensamento crítico, como História e Filosofia, e assim a educação brasileira começou a desmoronar, junto com a cidadania.

Conhecer a História é muito mais do que saber que tal evento aconteceu em tal época, feito por tal pessoa ou instituição. Conhecer a História também trata de conhecer motivações, relações de poder, origens, entre outros aspectos que nos levam a entender a complexidade da sociedade e dos indivíduos. É assim que sabemos que não existem “homens bons” e “homens maus” e que a sociedade está dividida em classes, algumas dominantes, outras dominadas. E então poderemos julgar o que acontece nos bastidores – sem nos deixarmos levar pelo senso comum, pela mídia ou por páginas e pessoas formadoras de opinião na internet.

Nosso Brasil está longe de chegar a esse patamar – a população, além de não ter acesso à informação, é condenada ao trabalho e consequentemente à alienação. Qualquer semelhança com a Revolução Industrial e com os ditos de Karl Marx não é mera coincidência! Quando Marx trata da alienação, sobre absorver algo que não é seu, trabalhar não por sua necessidade, mas sim pela exigência do outro, goste ou não, há um fundamento muito sólido e, diga-se de passagem, muito atual. É muito simples percebê-lo se passarmos 5 minutos assistindo a qualquer programa das grandes emissoras de televisão, que é o que a maioria das pessoas assiste. Ou passarmos um dia inteiro fazendo um trabalho mecânico como digitar números ou apertar parafusos. A consequência disso é a sociedade alheia a si mesma, gerando intolerância, preconceitos e consequentemente violência, que afastam o cidadão da democracia. A dificuldade de gerar debate é desproporcional e a tendência de piorar aumenta muito, pois muitas gerações acabam sendo afetadas, como mostra o legado da Ditadura Civil-Militar.

Enquanto não houver reflexão sobre o passado e suas consequências, assim como sobre o presente, jamais será possível avançar no processo democrático brasileiro e alcançar a justiça social. Diferentemente do que muitos dizem, a História comprova: justiça social não se trata de méritos por trabalho individual, e sim por luta coletiva. E só a luta coletiva e consciente poderá criar o Brasil com que os brasileiros sonhavam ainda em 13 de março de 1964, quando Jango promovia suas reformas de base, amplamente apoiadas.


Portanto, minha recomendação, a qual eu gostaria que todos os brasileiros tivessem a possibilidade de realizar, é que se estude a História além do senso comum, além da Wikipédia, além da televisão e além dos livros didáticos. Buscar diferentes fontes, como livros que tratam de temas específicos, pesquisas, materiais de universidades e jornais de época, de preferência estudando as visões de todas as ideologias e das diferentes épocas. Assim, o senso crítico terá a oportunidade de despertar e quem sabe fazer “o Gigante” acordar de vez.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Em defesa da Comissão Nacional da Verdade

Há algum tempo eu venho observando um fato que definitivamente me deixou estarrecida: gente criticando a Comissão Nacional da Verdade, instalada em maio de 2012. Jamais me passou pela cabeça que tantas pessoas – ignorando aquelas que pedem por uma intervenção militar, as quais têm uma opinião um tanto questionável, ao meu ver – poderiam considerar uma Comissão criada para investigar torturas e assassinatos de insurgentes a uma ditadura como algo desnecessário ou até mesmo indiferente à democracia.

O primeiro fato deste tipo que me espantou foi a reação negativa à exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart, a qual eu defendi arduamente. Junto disso, comentários em portais de notícias dizendo coisas do tipo “O que é que essa comissão faz mesmo?” e “temos que resolver o presente, o passado não muda nada!” representam a completa negação do que provavelmente uma das poucas grandes vitórias da redemocratização em relação aos crimes cometidos na ditadura.

Comissões da Verdade existem pelo mundo todo – a primeira foi instalada em Uganda em 1974 – e muitas delas ajudaram fortalecer a democracia, ao menos em parte, de boa parte de seus países de origem. Afinal, o povo que conhece seu passado conhece também as origens dos problemas sociais e portanto é mais capacitada a resolvê-los.

Infelizmente, este ainda não é o caso do nosso Brasil, onde a população acha que toda a desgraça social está centrada no atual governo. A corrupção não foi inventada nos anos 2000, nem em 1980. Ela sempre esteve presente, inclusive no governo civil-militar (provavelmente, diga-se de passagem, o governo mais corrupto da nossa história recente), que justificou o golpe não só na suposta armação comunista, mas também na corrupção governista. Portanto, antes de dizer que os problemas estão no presente, olhemos para trás e observemos o que mudou e o que permaneceu. Será que a origem do descaso não vem lá de trás?

A CNV é um dos instrumentos para isso. Creio que ela não só serve para transparecer a História, mas também para ajudar a punir quem não foi punido (leia-se os torturadores – os torturados já cumpriram além da pena). Ou seja, ela é caminho para alcançarmos outros atos de justiça, não só cometidos entre 1946 e 1988 (período investigado pela CNV), mas também aqueles de hoje. Os alicerces de muito do que acontece hoje provavelmente se encontra neste período.

Portanto, gostaria de reiterar meu total apoio à Comissão Nacional da Verdade – inclusive defendendo sua continuidade após o final deste mandato, adiado para dezembro deste ano. Eu espero, sinceramente, que ela ajude trazer à tona respostas para nosso atuais conflitos, e tenho um certo otimismo quanto a isso, já que muito já foi descoberto pela Comissão e vem popularizando a história do nosso país de uma maneira mais transparente.

Não estou dizendo que resolver o passado é a prioridade, e que os problemas atuais não são importantes. O que eu quero esclarecer é que enquanto negarmos a apuração do passado, jamais sairemos dele. Em outras palavras, o presente deve ser resolvido conhecendo o passado e suas controvérsias devem ser resolvidas juntas, utilizando-se dos benefícios que a História pode trazer para o conhecimento do nosso próprio país.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Paulo Malhães é encontrado morto

Justamente hoje, em que eu comecei a escrever um texto em defesa da CNV, me deparo com a seguinte notícia:


"O coronel reformado do Exército Paulo Malhães foi encontrado morto nesta manhã, 25, no sítio em que morava em Nova Iguaçu (cidade na Baixada Fluminense). O corpo apresentava marcas de asfixia, segundo a Polícia Civil. 
Malhães prestou depoimento em março à Comissão Nacional da Verdade em que relatava ter participado de prisões e torturas durante a ditadura militar. Disse também que foi o encarregado pelo Exército de desenterrar e sumir com o corpo do deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971. 
De acordo com o relato da viúva Cristina Batista Malhães, três homens invadiram o sítio de Malhães na noite desta quinta-feira, 24, à procura de armas. O coronel seria colecionador de armamentos, disse a mulher aos policiais da Divisão de Homicídios da Baixada que estiveram na propriedade. 
Cristina disse que ela e o caseiro foram amarrados e trancados em um cômodo, das 13h às 22h desta quinta-feira, 24, pelos invasores."



Alguns podem considerar a ação como um ato de justiça, uma punição concreta. Mas a verdade é que a morte de Paulo Malhães é uma perda enorme para as investigações da Comissão Nacional da Verdade. Ele provavelmente possuía informações importantíssimas a respeito não só da tortura e assassinato do deputado Rubens Paiva, mas de vários outros opositores ao regime, os quais terão suas investigações comprometidas. 

Malhães podia ser um homem de sangue frio, que como muitos vimos, não demonstrou remorso algum por seus crimes, porém, sua morte não é a devida punição - ele devia ter sido preso e assistindo, ter pago por seus crimes. Inclusive, quem sabe se ele tivesse sido preso quando devia, não teria sido morto. 

Portanto, não comemoremos, lamentemos duas coisas: a não punição de um assassino cruel e sua morte inconveniente para a investigação seus crimes contra a humanidade. Apenas mais uma dificuldade para a consolidação da democracia.

segunda-feira, 31 de março de 2014

1964-2014: Os 50 Anos do Golpe Militar

Ao que tudo indica, o Brasil vem, nos últimos meses, desenvolvendo uma crise política que está trazendo à tona discussões intensas sobre direita e esquerda, os governos de Lula e Dilma, Copa do Mundo e eleições. Nisso envolvem-se também conspirações de golpes comunistas e denúncias de corrupção em um governo supostamente de esquerda, que têm como consequência pedidos por uma nova intervenção militar.

Qualquer semelhança com o que ocorreu há exatos 50 anos não é mera coincidência.

Era madrugada de 31 de março de 1964 quando os militares tomaram seu caminho rumo ao palácio do governo para depor o então Presidente, João Goulart. Vítima de falácias constantes, seja por suas reformas de base (que por sinal tinham amplo apoio popular) ou por sua opção de evitar uma guerra civil, Jango exilou-se voluntariamente no Uruguai e nunca mais pôde voltar ao Brasil.

A ditadura instalada, como marco, no dia 1º de abril de 1964, e consolidada no dia 9, com a posse como Presidente do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, foi um dos maiores atrasos da sociedade brasileira. Apesar dos investimentos maciços em infraestrutura e industrialização, gerando um crescimento entre 7% e 13% ao ano, a economia brasileira era totalmente dependente do exterior e extremamente arriscada, sofrendo com impactos como as duas crises do petróleo dos anos 70 e uma inflação altíssima.

O que vemos hoje não é muito diferente. Há setores das classes médias xingando os governos petistas constantemente, utilizando-se como argumento casos como o mensalão e recentemente o da Petrobras, as relações com Cuba ou de que "vivemos em uma ditadura comunista". Meu ponto não é uma defesa de Lula ou de Dilma; acredito que aquilo que se passa nos bastidores do poder público deve sim ser investigado e exposto ao público, mas também creio que muitos destes argumentos anti-governo (como a suposta inclinação comunista do PT ou os investimentos em Cuba, tomados como alguns como “doações”) não se diferenciam muito da conspiração criada entorno do Governo Jango, e há muitos cidadãos que mantêm a mesma mentalidade dos anos 60 e clamam por um novo governo militar. Já teve até gente pedindo a volta da Arena como partido - com a justificativa de que "não havia partido de direita no Brasil", e uma pré-candidatura de um general à Presidência da República.

É verdade que uma candidatura de um militar não fere a democracia - nem mesmo sua eleição, desde que por vias democráticas. A questão é: há pessoas pedindo por uma intervenção militar. O nome já sugere certa invasão de espaço. Até porque quem defende tal ato costuma também defender o antigo regime militar.

Aí paramos para pensar: queremos mesmo repetir o que aconteceu há 50 anos? Queremos mesmo repetir os 21 anos de censura, a repressão, o "não" à democracia?

Hoje a minha defesa não é simplesmente a de repudiar um novo Estado militar. Meu principal objetivo é fazer com que as pessoas relembrem os acontecimentos datados entre 1964 e 1985, reflitam sobre o que eles representaram para a sociedade brasileira.

O que aconteceu em 1964 foi um Golpe de Estado que destituiu um presidente popular e toda a esperança de uma nação. Não se pode chamar de revolução algo que foi dado pelas mãos de uma classe da sociedade apenas, e que, diga-se de passagem, não trouxe reais benefícios à população como um todo. Afinal, as gerações alienadas ou assassinadas, uma dívida externa cavalar, uma dependência constante de capital estrangeiro e uma educação deficitária não são legados do que se pode chamar de bom governo.

Portanto, neste quinquagésimo aniversário do Golpe Militar que obscureceu a democracia brasileira por vinte e um anos, eu gostaria de lembrar a todos que 2014 não é só ano de eleições ou de Copa: é também um ano para darmos valor à liberdade de expressão, ao voto universal, à democracia como um todo, e sempre lembrarmos que ainda há muito a ser feito - porém sem repetir o erro que foi cometido há 50 anos.
  

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quarta-feira, 19 de março de 2014

50 anos depois, a Marcha da Família se repete

Está marcada para acontecer, no próximo dia 22, um evento chamado Marcha da Família (com Deus Pela Liberdade). Trata-se da segunda edição de uma manifestação homônima ocorrida há exatos 50 anos, no dia 19 de março de 1964.

Talvez a única coisa que diferencie a Marcha da Família de 2014 da de 1964 é seu volume de apoiadores. O resto é tudo igual. A motivação, as influências, os participantes, tudo isso se assemelha ao erro que foi a série de manifestações que serviram de premissa para o Golpe de 1964. Tudo aquilo que se pregava, a proteção da estrutura da família e a negação do comunismo, não passou de um golpe de mídia para apoiar a tomada do poder pelos militares e de certa forma, leia-se de passagem, pelos Estados Unidos.

Influenciada pela mídia dominante, a tal Marcha contou com uma quantidade realmente gigantesca de pessoas – lê-se, nos jornais da época, cerca de 500 mil pessoas, enquanto outras fontes, mais atualizadas dizem 300 mil, ou até mesmo 200 mil. Seja lá qual desses números é o verídico, sabe-se muito bem que o número foi bastante significativo e isso era exatamente a faísca que os militares precisavam. O apoio da mídia foi fundamental para sustentar o que foi chamado, falaciosamente, de “Revolução de 1964” e o regime que se instauraria posteriormente. Foi durante a ditadura, inclusive, que Roberto Marinho ergueu as Organizações Globo, consolidando-se basicamente como o que eu ousaria chamar de praticamente o dono do Brasil. E assim continua, mesmo depois de morto.

E é dentro deste contexto que cresce a Marcha da Família de 2014, pelos mesmos motivos – uma mídia conservadora (apesar de estar mais sujeita a questionamentos, graças à Internet), a oposição (que não necessariamente apoia um golpe, porém alguns de seus eleitores sim) e o sentimento anticomunista irracional que prevalece desde a Revolução Cubana em 1959. Como eu expliquei no post anterior, sobre o Comício da Central do Brasil, tanto os governos populistas das décadas de 50 e 60 quanto o atual governo nada têm de comunistas, portanto não há justificativa para um golpe, uma intervenção militar ou sequer uma marcha pedindo tais ações.

As justificativas dadas pelos ativistas da Marcha da Família são, principalmente, a corrupção, a suposta ditadura comunista e a defesa da família que, segundo eles, seria a instituição base da boa sociedade. Porém, ao meu ver, falta a estas pessoas uma concepção de que quando se trata do mundo real, não se trata de bem ou mal, mas sim de saber lidar com as contradições do ser humano. O que eles veem como família? O que é a corrupção? E o que seria uma boa sociedade? E as liberdades individuais, onde ficam?

Pergunto-me, então, a que ponto chegamos. O ponto de haver uma segunda Marcha da Família com Deus Pela Liberdade pedindo por uma intervenção militar? Em um governo democrático (ainda que não o suficiente)! Não há nada de errado em questionar o governo, porém não basta questionar o governo: deve-se questionar também a oposição. Será que há mesmo um sentimento de melhoria para o país, ou seria tudo isso intriga política? E será que é uma intervenção militar que vai resolver as coisas, ou será que é uma reforma política unida reflexão sobre a nossa cultura?


Por isso, neste dia, recomendo parem e analisem. Leiam as publicações da oposição, mas também leiam as publicações governistas. E também aquelas que fazem oposição ao governo e também à oposição do governo. Estudem as ideias dos diversos setores. Não se limitem à opinião dos outros, leiam os textos originais, nem que seja uma única vez na vida, pois só assim é possível comparar ideias e ter credibilidade na crítica delas. Não queremos cometer o mesmo erro arcaico de 50 anos atrás. Não vamos ressuscitar ideias mortas e enterradas. O passado serve para conhecermos os erros, o presente para criar formas de evitá-los para que não se repitam no futuro.

Links falando da Marcha:



quinta-feira, 13 de março de 2014

Os 50 anos do Comício da Central do Brasil

Considerado por muitos como o “início do fim” para o governo de João Goulart e para as democracias populistas, o Comício da Central do Brasil, ocorrido em 13 de março de 1964, foi um dos grandes marcos da promoção das Reformas de Base.





 A imagem de Jango sempre fora associada ao comunismo, devido a sua atuação como Ministro do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Quando assumiu a presidência, seu caráter social e amplo apoio popular preocuparam as classes dominantes. O ápice disso se revelou justamente no Comício da Central, que contou com cerca de 150 mil pessoas, entre servidores públicos, sindicalistas, estudantes, militares e outros setores da população. Além disso, o presidente ainda assinou dois decretos, ainda que, àquela altura, eles fossem apenas simbólicos: a desapropriação de propriedades rurais subutilizadas e de refinarias que não pertencessem à Petrobrás.

Resumindo as reformas de base, tem-se:
·         Agrária
·         Administrativas
·         Educacionais (mais vagas nas universidades)
·         Bancárias
·         Fiscais (Lei de Remessas de Lucros)
·         Habitacionais
·         Voto para analfabetos e militares de baixa patente

A aprovação às medidas de Jango era clara – assim como o apoio de diversos setores de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro, que demandava sua própria legalização. Este apoio atemorizava os setores conservadores dominantes, que já receavam uma ascensão socialista desde os tempos de Getúlio Vargas. Segundo relatos do General Antonio Carlos Muricy, em documentário sobre Jango, os militares, com o que ele chamou de “subversão levada pelo governo [que] estava em crescimento dia-a-dia”, se mostravam determinados a enfrentar qualquer coisa para derrubar o governo populista, que eles julgavam nocivo ao país.

Assim, o Comício da Central do Brasil foi premissa para a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, seis dias depois.

Como podemos relacionar isso com o cenário político atual?

É evidente para todos os brasileiros que há uma crise política acontecendo no país. E ela é muito similar à que ocorreu no período que precedeu o golpe de 1964: os setores conservadores, como os militares e as elites, acreditavam que o governo planejava um golpe comunista, sendo que o governo janguista, de comunista, nada tinha. As reformas de base faziam parte de um conjunto de medidas democráticas, provenientes de um ideologia de esquerda sim, porém dizer que elas eram uma ameaça para a ordem consiste apenas em interesses políticos.

O mesmo acontece com o atual governo – que é ainda menos “comunista” do que o de Jango – com a diferença que hoje a disseminação da informação através da internet favorece a divulgação de ideias de todos os lados. A partir de junho de 2013 até hoje, vê-se uma exacerbação dos insatisfeitos com o atual governo, ainda que de acordo com as recentes pesquisas eleitorais, estes sejam minoria.

O problema é que uma parcela, dentre estes insatisfeitos, se destaca por ser radical e ultranacionalista. Ao invés de sugerir uma reforma democrática, respeitando a constituição e os direitos humanos, este grupo prega a volta da “caça aos comunistas”, incitado por alguns veículos de mídia e por extremistas populares. Muitos deles anseiam por uma intervenção militar.

Porém, onde estão os comunistas do governo atual?

Assim como Jango, ao atual governo tem propostas de melhorias sociais. Todavia, também como no tempo de Jango, quem está na maioria dos postos do poder ainda são as elites: os empreiteiros, os latifundiários e outros grandes empresários. Podem não aparecer publicamente, mas detém o poder decisório.

As classes mais baixas, diferentemente do que alguns extremistas pensam, não vivem em regime socialista. Muito pelo contrário - vivem no mesmo capitalismo em que os ricos vivem. No entanto, estão na outra extremidade: são aqueles que fornecem a mão-de-obra, a preços baixos, para o acúmulo de capital dos empresários. E têm que pagar os mesmos impostos, pagar os mesmos preços no supermercado, trabalham tanto quanto ou infinitas vezes mais que os peixes grandes. Ou seja, em nossa sociedade, não é possível viver sem capital, e sem trabalho não há capital. Em uma sociedade socialista, não deveriam todos receber um mínimo subsídio? Não haveria educação e saúde de qualidade para todos? Não há nada disso Brasil.

Então pergunto novamente: onde estão os comunistas do governo atual?

Fecho esta reflexão afirmando: vivemos em um regime extremamente capitalista, portanto, militares e extremistas simpatizantes, não há nada a temer. Não há comunistas do governo. Talvez haja uma política de ascensão social sim, que visa tirar as empregadas da miséria, de modo que as madames sejam obrigadas a lavarem suas próprias calcinhas*. Mas esta política é muito lenta e sua eficácia ainda é duvidosa, já que ainda vivemos em uma oligarquia onde a desigualdade é a prova de que a meritocracia capitalista não passa de uma falácia.


*Quando além de tudo, o conservadorismo das elites subentende o patriarcado, de modo que a mulher ficaria responsável pela casa. A frase faz parte da crítica ao machismo também.

sábado, 1 de março de 2014

O Mês de Jango

Inicio hoje uma série de posts que relembram os antecedentes do Golpe de 1964, começando pelo dia de hoje, em que seria celebrado o 95º aniversário de João Goulart.



Jango nasceu em 1919 em São Borja, no Rio Grande do Sul, e morreu exilado na Argentina, em 1976. Oficialmente vítima de um ataque cardíaco, o ex-presidente foi figura do fim da era das democracias populistas no Brasil e, após o golpe que o destituiu, nunca mais pôde voltar a seu país, sendo o único presidente brasileiro a morrer fora do território nacional.

Em 2013, João Goulart teve seu corpo exumado, com suspeitas de que tenha sido envenenado. Ele, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, organizadores de um esquema de oposição à ditadura, chamado Frente Ampla, morreram dentro de um intervalo de menos de um ano – primeiro JK, em agosto de 1976, depois Jango, em dezembro, e por último, Lacerda, em maio de 1977, o que leva a crer que todos foram vítimas da Operação Condor (esquema de repressão à oposição promovido pelas ditaduras sul-americanas).


Muitos marcos da vida de João Goulart ocorreram no mês de março, de modo que este se tornou o Mês de Jango : seu nascimento, o Comício da Central do Brasil, considerado por muitos o início do fim; A Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, manifestação civil a favor de uma intervenção de direita e, por fim, o golpe que o tirou do poder e de sua pátria.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sobre os rolezinhos.

Hoje estou aqui para deixar a minha contribuição – por mais sutil que ela seja – para a discussão em relação ao fenômeno dos Rolezinhos.

Não estou aqui simplesmente à toa para falar disso. Venho acompanhando as notícias de maneira praticamente obsessiva desde que os rolezinhos começaram, e apesar de eles estarem diminuindo o ritmo agora, não escrever sobre isso certamente me deixaria muito incomodada.

Os rolezinhos não começaram como manifestação política, mas eles tomaram este cunho por acabarem trazendo à tona uma realidade social à qual boa parte dos brasileiros, a dita classe média, ainda é alheia. Essa realidade é aquela causada pela falta de infraestrutura social – em especial falta de educação de qualidade e falta de oportunidade proporcionada pelo governo desde sempre. Assim, os jovens das classes menos favorecidas acabam sendo intimidados pelo sistema. E foi assim que tudo começou: a intimidação se deu pela repressão policial, fazendo mais uma vez – como nos protestos de junho de 2013 – com que fossem questionados os valores da sociedade em que vivemos.

Olhando, primeiramente, para a questão racial. É inegável que ela existe, não só em espaços privados, como shoppings, quanto também no ambiente de trabalho, e aqueles que dizem que isso é “mimimi”, “ditadura do politicamente correto” geralmente são pessoas brancas, não sujeitas à opressão, mas sim assumindo o papel de opressoras. É só observar a quantidades de caucasianos numa periferia em relação à quantidade de negros, e reparar em como ela se inverte quando se trata das classes mais altas. Os negros não estão nas favelas ou alas mais pobres por pura coincidência ou por falta de méritos: estão ali por conta de uma classe burguesa, branca e forte, que faz questão de mantê-los pobres, sem educação e com as piores condições possíveis. Então sim, há racismo e ele aconteceu sim nos rolezinhos, tanto por parte dos frequentadores dos shoppings quanto das administrações dos estabelecimentos.

Nisso entramos na questão do ser pobre. Nesse país, ainda há muitas pessoas de pensamento retrógrado, que creem que qualquer pessoa mais pobre é bandida, marginal. Quando se está em um ônibus, e uma pessoa de roupas surradas ou com uma aparência mais simples entra no veículo, já é motivo de olhares, de gente apertando bolsas e celulares. Ser for negro então, ainda pior. Como eu já mencionei, estas pessoas não nasceram na periferia por opção, e a cultura imposta à periferia está com eles desde sempre.

E o que é a cultura imposta à  periferia? Não é o funk ostentação, a bagunça? E de onde vieram estas características?

A cultura ocidental em que vivemos inclui um incentivo constante ao consumismo exacerbado, e as classes menos favorecidas, tendo acesso a poucos meios de informação, acabam sendo influenciadas por essa cultura, vivendo da esperança de ter um padrão luxuoso de vida. É assim que eles acabam criando o funk ostentação, visitam shoppings, compram roupas de marca. Ou seja – eles são vítimas do sistema selvagem que vivemos hoje, vítimas de uma influência que atinge também as classes médias (as quais, apesar de terem muito mais condições de recusarem, acabam aderindo cada vez mais).

 “Rolezinho na agência de emprego ninguém quer, né?”

Este lamentável argumento se tornou uma resposta frequente dos contrários aos rolezinhos. Pode-se dizer que foi uma verdadeira calúnia a muitos dos jovens – que inclusive apareceram, em programas da TV aberta, sendo entrevistados e sim – eles trabalham. Alguns apenas estudam, outros apenas trabalham. Alguns podem até não fazer nenhum dos dois, apesar de eu acreditar que é essencial que a pessoa tenha uma formação mínima, não lhes tiro o direito de optar por sair da escola. Afinal, com um ensinopúblico como o nosso, a desmotivação que esses jovens recebem é tão grande queacaba tirando-lhes a vontade de estudar. E muitos deles acabam, infelizmente, seguindo o caminho do crime.

E será que as pessoas que usam o “argumento” “Rolezinho na agência de emprego ninguém quer” já pensaram em colocar seus filhos no lugar dos jovens rolezeiros? Afinal, é muito raro você ver um jovem de classe média trabalhando. Eles costumam ter a escola paga pelos pais, seu consumo pago pelos pais, e nem por isso alguém tira o direito deles de se divertirem indo a shoppings. Eles não devem perder esse direito – assim como os rolezeiros também não devem ser inibidos dele. Os arruaceiros existem – mas não estão limitados à periferia. É uma lástima que a classe social e raça do indivíduo exerça tanta influência sobre quem irá ser abordado e até mesmo apanhar da polícia ou não. Apenas aqueles que se aproveitarem dos rolezinhos para cometer crimes é que devem ser responsáveis por eles, e não todos os jovens que estão apenas organizando encontros.


Portanto, eu sou a favor dos rolezinhos sim, pois eles são exatamente a mesma coisa que as outras pessoas fazem – encontrar amigos e conhecidos em um espaço comum, conhecer pessoas novas e participar de atividades de qualquer jovem tem o direito de participar. A segurança deve ficar atenta sim, mas não aos rolezeiros, e sim a todos. Assim como todos têm o direito de frequentarem espaços destinados ao lazer público, sem discriminação por cor, origem ou estilo. Se os rolezinhos continuarem, e se manifestações parecidas acontecerem, certamente os apoiarei, pois é só assim que ocorrerá a inclusão que devia ter acontecido no século retrasado.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Mudanças no Blog

Assim como o Seven Secrets of Smok se tornou S de Smok, o Smok's Factory está passando por mudanças e se chama agora Smok na Fábrica.

Afinal, temos um novo ano pela frente.

um Feliz 2014 a todos.

Smok