Ao que tudo indica, o Brasil vem,
nos últimos meses, desenvolvendo uma crise política que está trazendo à tona
discussões intensas sobre direita e esquerda, os governos de Lula e Dilma, Copa
do Mundo e eleições. Nisso envolvem-se também conspirações de golpes comunistas
e denúncias de corrupção em um governo supostamente de esquerda, que têm como
consequência pedidos por uma nova intervenção militar.
Qualquer semelhança com o que ocorreu há exatos 50 anos não é mera coincidência.
Era madrugada de 31 de março de
1964 quando os militares tomaram seu caminho rumo ao palácio do governo para
depor o então Presidente, João Goulart. Vítima de falácias constantes, seja por
suas reformas de base (que por sinal tinham amplo apoio popular) ou por sua
opção de evitar uma guerra civil, Jango exilou-se voluntariamente no Uruguai e
nunca mais pôde voltar ao Brasil.
A ditadura instalada, como marco,
no dia 1º de abril de 1964, e consolidada no dia 9, com a posse como Presidente
do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, foi um dos maiores atrasos da
sociedade brasileira. Apesar dos investimentos maciços em infraestrutura e
industrialização, gerando um crescimento entre 7% e 13% ao ano, a economia
brasileira era totalmente dependente do exterior e extremamente arriscada,
sofrendo com impactos como as duas crises do petróleo dos anos 70 e uma
inflação altíssima.
O que vemos hoje não é muito
diferente. Há setores das classes médias xingando os governos petistas
constantemente, utilizando-se como argumento casos como o mensalão e
recentemente o da Petrobras, as relações com Cuba ou de que "vivemos em
uma ditadura comunista". Meu ponto não é uma defesa de Lula ou de Dilma;
acredito que aquilo que se passa nos bastidores do poder público deve sim ser
investigado e exposto ao público, mas também creio que muitos destes argumentos
anti-governo (como a suposta inclinação comunista do PT ou os investimentos em Cuba, tomados como
alguns como “doações”) não se diferenciam muito da conspiração criada entorno
do Governo Jango, e há muitos cidadãos que mantêm a mesma mentalidade dos anos
60 e clamam por um novo governo militar. Já teve até gente pedindo a volta da
Arena como partido - com a justificativa de que "não havia partido de
direita no Brasil", e uma pré-candidatura de um general à Presidência da
República.
É verdade que uma candidatura de
um militar não fere a democracia - nem mesmo sua eleição, desde que por vias
democráticas. A questão é: há pessoas pedindo por uma intervenção militar. O nome já sugere certa invasão de espaço.
Até porque quem defende tal ato costuma também defender o antigo regime
militar.
Aí paramos para pensar: queremos
mesmo repetir o que aconteceu há 50 anos? Queremos mesmo repetir os 21 anos de
censura, a repressão, o "não" à democracia?
Hoje a minha defesa não é
simplesmente a de repudiar um novo Estado militar. Meu principal objetivo é
fazer com que as pessoas relembrem os acontecimentos datados entre 1964 e 1985,
reflitam sobre o que eles representaram para a sociedade brasileira.
O que aconteceu em 1964 foi um
Golpe de Estado que destituiu um presidente popular e toda a esperança de uma
nação. Não se pode chamar de revolução algo que foi dado pelas mãos de uma
classe da sociedade apenas, e que, diga-se de passagem, não trouxe reais
benefícios à população como um todo. Afinal, as gerações alienadas ou
assassinadas, uma dívida externa cavalar, uma dependência constante de capital
estrangeiro e uma educação deficitária não são legados do que se pode chamar de
bom governo.
Portanto, neste quinquagésimo aniversário
do Golpe Militar que obscureceu a democracia brasileira por vinte e um anos, eu
gostaria de lembrar a todos que 2014 não é só ano de eleições ou de Copa: é
também um ano para darmos valor à liberdade de expressão, ao voto universal, à
democracia como um todo, e sempre lembrarmos que ainda há muito a ser feito -
porém sem repetir o erro que foi cometido há 50 anos.
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