Depois da vergonhosa performance de Levy Fidélix no penúltimo debate presidencial, repercutida até mesmo na
imprensa internacional, viu-se muita revolta, mas também viu-se muito apoio.
Com o mesmo discurso com que defenderam Rachel Sheherazade sobre o caso “adote um bandido”, muitas pessoas
aplaudiram a atitude do candidato do PRTB e disseram que ele “tinha coragem” de
se expressar daquela maneira. Lembrou-me muito do caso de Sheherazade
principalmente porque não me parece ser um ato de coragem, mas sim apenas a
repetição de um jargão que todo mundo já diz nas ruas e que aparece sim com
muita frequência na mídia, só que de maneira mais indireta.
De qualquer forma, uma coisa que
me chamou a atenção nesta situação hedionda foi Levy falar em “instruir seu filho e instruir seu neto”,
ou seja, colocar valores na cabeça de seus descendentes que preguem a
intolerância às minorias. Acabou retornando algumas memórias que vi em várias
famílias com que convivi ao longo da minha vida, e me fez pensar no quão grave
é a questão da educação familiar no Brasil. Portanto, gostaria de tratar um
pouco desta questão neste post e quem sabe em outros, afinal, este é um tema
delicado que exige muito mais do que uma única discussão.
As pessoas gostam de dizer que as
crianças são a esperança de um futuro melhor. É uma ideia bonita, mas quando eu
vejo um pai ou uma mãe dizer para seu filho pequeno que “matar é feio, matar é mau” ao mesmo tempo em que recita frases como
“bandido bom é bandido morto” ou “tinha que linchar todos esses vagabundos”,
me pergunto se realmente poderemos contar com a juventude do futuro. Crianças
veem, ouvem e aprendem frases como estas sem saber distinguir seus
significados, acabando por repeti-las e assimilá-las. O mesmo acontece quando
elas ouvem coisas como “aquele seu tio é
um viadinho, namora meninos”. Junte às piadas e ao preconceito disfarçado
de tolerância (“tenho até amigo gay”
ou “não sou contra, mas quero longe de
mim”) e a criança acabará aprendendo que “gay” e “viado” são coisas ruins. E
assim por diante com outras minorias – negros (“tinha que ser preto!”, “isso
aí é serviço de preto mesmo!”), indígenas (“índio é tudo vagabundo, não gosta de trabalhar”), mulheres (“mulher no volante, perigo constante”, “mulher pra comer e mulher pra casar”) e
religiões não cristãs (“terreiro é coisa
do capeta!”).
Vale lembrar que a maioria destas
situações eu vi com meus próprios olhos ou ouvi relatos de pessoas próximas. Pessoas que se dizem
esclarecidas, pessoas que dizem não ter preconceitos, mas que ao mesmo tempo
dizem que vivemos uma ditadura de minorias, que não se pode falar mais nada,
que os valores estão se deturpando, que as pessoas “não sabem mais o seu
lugar”. São pessoas essas as que se dizem muito boas - porque doam sangue,
porque doam roupas para os desabrigados pelas chuvas, porque trabalham em uma
empresa que gera fundos a uma instituição filantrópica – e pensam que isso é
suficiente para alcançar a justiça social. São também pessoas que dizem que
você deve estudar para ser alguém na vida, que “você deve batalhar e assim vai
vencer na vida”, e que fala “rolezinho na agência de emprego que é bom nada, né?”. E assim, repassam isso para seus
filhos, netos, sobrinhos – a ideia de que a caridade e a meritocracia vão
resolver as desigualdades, entre outros valores baseados em uma realidade essa sim deturpada. Assim, xs filhxs crescem e se não houver qualquer fator que xs incentive
a questionar sua formação, elxs continuarão a disseminar preconceitos com
máscara de “liberdade de expressão”.
Será que é mesmo esse o futuro que
queremos? De crianças que vão ficar estagnadas na opinião dos familiares,
talvez até que irão regredir em relação a gerações anteriores, ou será que
queremos progresso, igualdade e liberdade para todos?
Uma coisa é certa: cada vez que
eu vejo uma criança inocente, ingênua e curiosa crescer em uma família que incentiva
esse tipo de comportamento reacionário, eu sinto pena. Da criança. Porque pelo
futuro, sinto medo.
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