Há um ano, tomava conta das
ruas aquilo que seria posteriormente chamado de Jornadas de Junho ou Revolta
dos Vinte Centavos. As manifestações que eclodiram e balançaram o país foram
marcadas pela dimensão, pela violência policial e pela desqualificação por
parte da imprensa, ao mesmo tempo em pareceram, para muitos, a tomada de
consciência pelo povo e o início derrocada do sistema atual. O ápice disso
aconteceu entre os dias 17, quando a movimentação ocupou o Congresso Nacional,
em Brasília, e 20 e poucos de junho, quando foram contabilizadas mais de 1
milhão de pessoas nas ruas.
Mal ou bem, entretanto, o
fenômeno começou a se dissipar. O MPL (Movimento Passe Livre) de São Paulo,
organizador dos primeiros protestos, abandonou o movimento, argumentando que
seu objetivo era barrar o aumento das passagens e uma vez que isso havia sido
feito, sua bandeira havia sido cumprida. Enquanto isso, mesmo
sob a contínua repressão da polícia militar, partidos políticos, outros
movimentos sociais, estudantes e jovens trabalhadores continuaram nas ruas. Ao
mesmo tempo, subitamente, estranhas ondas de violência começaram a aparecer,
viesse da polícia ou de alguns casos de confronto e vandalismo, em especial a
prática black bloc, enfatizada de maneira especial na mídia. Tais fatos
desmobilizaram muita gente, desanimada com a desmoralização dos atos. Aos
poucos, então, os movimentos foram se esvaindo e cessaram os protestos em
massa, restando um ou outro menor aqui e ali. Voltaram à tona frases de efeito
como “brasileiro de memória curta” e slogan “O Gigante Acordou” foi esquecido. Um possível temor inicial por
parte do governo relaxou e as coisas, aparentemente, voltaram ao normal.
Mas a pergunta que ficou é: será
mesmo que o tal gigante voltou a dormir?
Creio que é errado pensar que a
situação foi de apaziguamento. Como pensar em calmaria quando há constantes
greves acontecendo por todo o país? Polícias, funcionários do transporte
coletivo, algumas universidades, técnicos administrativos das UFs e diversas
outras categorias, sempre lembrando, é claro, dos garis, que no Rio de Janeiro
realizaram uma vitoriosa greve histórica em março deste ano, dando um excelente
exemplo para a classe trabalhadora como um todo, todos utilizando o momento do
pré-Copa para fazer suas reivindicações.
Além das greves, vemos os
protestos relativos à Copa do Mundo, que não cessaram desde junho passado,
assim como os movimentos sociais, como o próprio MPL e mais recentemente o
MTST, que nunca deixaram de estar presentes. Unidos a tudo isso, temos as
eleições em meio a uma crise política generalizada gerada pela descrença nas
instituições e por um modelo político e econômico que, para muitos, está
obsoleto. A quantidade de pessoas, mesmo entre as que não ligam muito para
política, que não sabe em quem votar ou pretende votar em branco/nulo é a maior
da história, segundo uma pesquisa do Datafolha, evidenciando o desgaste do
modelo de gestão vigente.
Não podemos deixar de incluir
também o papel da mídia em tudo isso. Muitos protestos que contavam de milhares
de pessoas só eram mostrados quando 200 pessoas ateavam fogo em latas de lixo
ou atacavam agências bancárias. A maioria das manifestações subsequentes –
incluindo as mais recentes, como a greve dos metroviários em São Paulo – foi
distorcida pela imprensa, colocando a população contra os revoltosos. Esta
situação, sempre frequente no Brasil, vem se intensificando muito de um ano para
cá e mostra o poder que as manifestações de massa têm – se não tivessem, não
precisariam ser tão reprimidas. A marginalização daqueles que lutam por uma
melhor sociedade é um dos principais poderes da comunicação tradicional, que,
além de tudo, incita a violência e o ódio, seja contra os manifestantes ao
aplaudir abusos policiais, seja contra o governo, impulsionando ataques
pessoais e até mesmo ameaças de morte à Presidenta da República, como vimos no
jogo de abertura da Copa do Mundo e podemos ver frequentemente em páginas como
o TV Revolta. Juntamente a isso, são aplaudidos os setores da manifestação que
pregam este ódio e esta violência, como se apenas estes insatisfeitos fossem
legítimos e dignos de protestar.
Enquanto isso, há a questão black bloc. Em primeira instância,
sabemos que qualquer tipo de depredação é condenado pela opinião pública, o que
prejudica a credibilidade do movimento, além de que há certos patrimônios que a
população necessita, como bancos. Para o banco, o reparo de uma porta de vidro
é quase imperceptível em seu orçamento, já para um proprietário de uma franquia de fast food, por exemplo, pode ser bem mais complicado. Ao mesmo
tempo, há outras pessoas que precisam do serviço do banco e não poderão
utilizá-lo por causa de uma agência destruída. Por outro lado, nenhuma revolta
popular teve êxito sem que houvesse algum tipo de confronto. As revoluções
sempre contaram com armas (não necessariamente de fogo) ou atos que afetaram
drasticamente a população (como é o caso das grandes greves). Mesmo assim,
condena-se mais uma pessoa que quebra uma janela a um policial que espanca um
manifestante desarmado, deixando os danos materiais à frente dos direitos
humanos. E ainda há outro ponto a ser considerado: quem são os black blocs que acreditam na causa e
quem são apenas “baderneiros”? E será que não há gente infiltrada, a mando das
empresas, da mídia? Se uma Folha de S. Paulo fornecia seus carros para o
sequestro de opositores políticos do regime militar, por que não enviaria gente
para causar conflitos nos protestos?
Portanto, é difícil julgar só
pelo moralismo qual a relevância, o perigo ou a necessidade da ação dos black blocs. É um paradoxo complexo que
precisa de discussões extensivas, evitando partir diretamente para o campo da
resposta violenta. Infelizmente, porém, a colaboração da mídia para a
destruição da imagem de qualquer tipo de movimento insurgente dificulta muito
qualquer tipo de diálogo, especialmente em tempos de crise.
A partir de agora, a tendência
das coisas parece ser piorar. Os primeiros protestos contra a Copa do Mundo
sofreram enorme retaliação. E se houverem próximos, também serão. E o slogan
#NãoVaiTerCopa não será compreendido pela grande maioria, que acha que se a
reclamação é com os gastos da Copa, os protestos estão atrasados. Mas há uma
questão de visibilidade. O mundo inteiro está vendo, e se queremos expor os
problemas do Brasil, a hora é agora. Como isso irá contribuir para a luta, não
sei. Não sei nem se adiantará alguma coisa, mas acho que a tentativa é válida.
O problema principal será a atuação das forças internas – governos, forças
armadas e oligarcas – que farão de tudo para impedir que a mobilização
aconteça.
Por fim, se repetiremos as
Jornadas de Junho, só saberemos na hora. Um megaevento como a Copa do Mundo é
uma oportunidade única de ganhar os olhos do mundo inteiro, e se isso
contribuir com alguma coisa, por mais improvável que seja, todos sabemos que as
lutas nunca cessam e que se há um momento em que elas não podem ser
silenciadas, esse momento é agora. Vai ter Copa sim, e é nas ruas que ela será
a Copa das Copas.
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