Aproveitando
o contexto de reflexão histórica a respeito dos 50 anos do Golpe Civil-Militar,
gostaria de finalmente retomar a série “Por que estudamos certas coisas?”
abordando o tema Por que estudamos
História?
Na
postagem original a respeito do assunto, publiquei o seguinte texto:
“História. Ah, como me irrita ouvir as pessoas dizerem: “Por que eu tenho que estudar a vida de um monte de gente que já morreu?”. SIMPLES. PORQUE ESSAS PESSOAS INFLUENCIARAM NA SOCIEDADE ATUAL E NESTE EXATO MOMENTO VOCÊ PODERIA ESTAR VIVENDO NUMA DITADURA.
Não é exagero. É como
uma professora minha dizia: “Nós estudamos os erros de Hitler para não
cometê-los novamente”. As vitórias do povo que vemos hoje, como a queda das
ditaduras árabes e mesmo a das ditaduras sul-americanas. E outro fato
importante: não podemos nos esquecer que história não é somente passado. O
presente também é história. Nós aprendemos com as gerações passadas, enquanto
as gerações futuras aprenderão com a nossa.”
Esta análise, ainda que rasa, tem um objetivo
claro: demonstrar a importância do conhecimento histórico para o entendimento
da política, da sociedade e das necessidades da população. Isto contribui muito
para os movimentos de insurgência, ou mesmo para o “simples” fato de votar. E é
por isso que realmente me dá arrepios ouvir alguém que diz que não importa o
que aconteceu no passado, que o que importa é o presente. O passado foi o
presente de alguém e nosso presente é o passado do futuro. As decisões que
tomamos hoje refletem no que somos amanhã, portanto a sociedade que temos hoje
no Brasil – esta que diz que temos cortar o mal pela raiz mas critica a necessidade de uma Comissão Nacional da Verdade, por exemplo – é um reflexo de
uma longa história de afastamento entre povo e poder.
E a única maneira de reengajar (ou engajar pela
primeira vez) a população na política é fazê-la conhecer o funcionamento do
sistema – e isso só pode acontecer se houver conhecimento histórico e
consequentemente sociológico.
Ao olharmos para a Primavera Árabe, mencionada no
texto original, não basta dizermos que lá existem ditaduras que devem ser
derrubadas. Qual o histórico destes países? Quem considera os regimes
ditatoriais? Que motivos levaram às ditaduras? Que papel têm as potências
estrangeiras intervindo nas revoltas? E na Ucrânia? Por que há interesse russo?
E os americanos, o que estão fazendo lá? Qual o histórico destes países? E aqui
no Brasil? De onde vieram nossos problemas? Será que surgiram agora? Será que
já existiam e foram intensificados ou pararam no tempo? Quem influencia isso,
interna e externamente? E nós, cidadãos, qual o nosso papel nisso tudo?
No nosso caso específico do Brasil, houve um
afastamento absurdo entre população e poder durante a Ditadura Civil-Militar.
Se a relação já era fraca, a partir do golpe as coisas ficaram ainda mais
sérias: não só o voto foi vetado quanto a imprensa era censurada e as escolas,
doutrinadoras a favor do regime. Foram tiradas ou diminuídas as cargas horárias
de aulas que incentivavam o pensamento crítico, como História e Filosofia, e
assim a educação brasileira começou a desmoronar, junto com a cidadania.
Conhecer a História é muito mais do que saber que
tal evento aconteceu em tal época, feito por tal pessoa ou instituição.
Conhecer a História também trata de conhecer motivações, relações de poder,
origens, entre outros aspectos que nos levam a entender a complexidade da
sociedade e dos indivíduos. É assim que sabemos que não existem “homens bons” e
“homens maus” e que a sociedade está dividida em classes, algumas dominantes,
outras dominadas. E então poderemos julgar o que acontece nos bastidores – sem
nos deixarmos levar pelo senso comum, pela mídia ou por páginas e pessoas
formadoras de opinião na internet.
Nosso Brasil está longe de chegar a esse patamar –
a população, além de não ter acesso à informação, é condenada ao trabalho e
consequentemente à alienação. Qualquer semelhança com a Revolução Industrial e
com os ditos de Karl Marx não é mera
coincidência! Quando Marx trata da alienação, sobre
absorver algo que não é seu, trabalhar não por sua necessidade, mas sim pela exigência do outro, goste ou não, há um
fundamento muito sólido e, diga-se de passagem, muito atual. É muito simples
percebê-lo se passarmos 5 minutos assistindo a qualquer programa das grandes
emissoras de televisão, que é o que a maioria das pessoas assiste. Ou passarmos
um dia inteiro fazendo um trabalho mecânico como digitar números ou apertar
parafusos. A consequência disso é a sociedade alheia a si mesma, gerando
intolerância, preconceitos e consequentemente violência, que afastam o cidadão
da democracia. A dificuldade de gerar debate é desproporcional e a tendência de
piorar aumenta muito, pois muitas gerações acabam sendo afetadas, como mostra o
legado da Ditadura Civil-Militar.
Enquanto não houver reflexão sobre o passado e suas
consequências, assim como sobre o presente, jamais será possível avançar no
processo democrático brasileiro e alcançar a justiça social. Diferentemente do
que muitos dizem, a História comprova: justiça social não se trata de méritos
por trabalho individual, e sim por luta coletiva. E só a luta coletiva e
consciente poderá criar o Brasil com que os brasileiros sonhavam ainda em 13 de março de 1964, quando Jango promovia suas reformas de base, amplamente apoiadas.
Portanto, minha recomendação, a qual eu gostaria
que todos os brasileiros tivessem a possibilidade de realizar, é que se estude
a História além do senso comum, além da Wikipédia, além da televisão e além dos
livros didáticos. Buscar diferentes fontes, como livros que tratam de temas
específicos, pesquisas, materiais de universidades e jornais de época, de
preferência estudando as visões de todas as ideologias e das diferentes épocas.
Assim, o senso crítico terá a oportunidade de despertar e quem sabe fazer “o
Gigante” acordar de vez.